quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Os frutos da boca


“O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem.”

Ah, o poder das palavras...

Antes de dizer o que pensa, cale-se... é melhor o silêncio que as brasas. E a cada dia que passa, me questiono se realmente temos noção do impacto de nossas palavras, de nossas sentenças e afirmações. Questiono-me se estamos, de fato, preparados para arcar com todo o efeito do que já dissemos... Eu acho que não.

De todas as características que possuo a primeira que me vêm à mente não é a que sempre digo.

– Olá! Meu nome é Débora, sim, eu sou chata, falo pelos cotovelos e mãos, sou um tanto quanto destrambelhada...

E assim vou me apresentando sem nenhum problema de autoestima... Mas, na verdade, a maior de todas as características é aquela que não digo (mais cedo ou mais tarde vai se evidenciar). Por falta de um nome melhor, defino como lerdeza. Eu vivo cada dia tentando criar métodos e estratégias para não entrar em colapso. Até hoje a rotina é o que mais me auxilia, e esse é mais um dos motivos pelos quais me desagrada a mudança de lugar de um simples objeto.  Tudo, absolutamente tudo na minha vida é um desafio (e talvez por isso eu tenha me tornado cara-de-pau), porque algo pode ficar pelo caminho sem que eu me dê conta. Não há nada em que eu meta a minha mão e que não tenha de fazer um roteirinho básico, ainda que em questão de segundos... Se eu não o fizer, vai falhar, e como a lerdeza às vezes, quase sempre, afeta os procedimentos... quase sempre esqueço de olhar o roteiro, e quase sempre vivo tentando salvar o dia.

Poderia aqui enumerar várias situações em que tenha me colocado em enrascadas, mas as piores são aquelas em que arrasto outros. E à medida que a vida foi me colocando em lugares e papéis de responsabilidade, o pânico e o desespero de “esquecer” têm se tornado algo comum. O que salva, é que eu sou otimista, e um tanto mais orgulhosa. E me recuso a parar, a entregar os pontos, até porque isso não é uma opção.

E antes que você ache que o título em nada tem a ver com o venho dizendo...

Antes de conhecer o poder maravilhoso da rotina, havia o caos... Minha adolescência, o CAOS!!! E dá para imaginar o quanto eu comecei me odiar, ou simplesmente odiar ter de viver? Num mundo em que não existia essa coisa de TDHA ou afins, existiam a lerdeza e a loucura. Como o segundo caso foi sumariamente descartado com eletroencefalograma (não me pergunte como acharam que isso realmente respondia tudo),  fiquei sendo a lerda. E lerdeza se corrige, lerdeza deve ser combatida, deve ser destruída! As pessoas responsáveis, confiáveis não são lerdas. As pessoas de sucesso, realmente bacanas não são lerdas. Os inteligentes, os que têm alguma chance na vida, não são lerdos. E já que você não se emenda... O mundo vai te atropelar como uma carreta. A vida vai te atropelar, Débora, e você nem vai se dar conta.

E quando se escuta muito uma coisa e nada lhe diz o contrário, mesmo que não queira, você acredita. Se for uma pessoa orgulhosa demais ou covarde demais para morrer, vai começar a desesperadamente tentar escapar do massacre dessa carreta que é a vida (o paradoxo: a vida pode te matar).

Em poucos anos fui criando casulos sob outros tantos, cada vez mais guardada. A própria caixa preta, em pessoa. Ah... não, não tinha nada de muito secreto lá dentro, na verdade não tinha quase nada porque eu tinha medo de viver, lembra?

E graças a algumas situações, na verdade muitas, eu fui aprendendo a ter coragem, e seriam necessárias muitas páginas para dizer como fui me libertando de tantos casulos, e proteções que na verdade haviam feito de mim uma pessoa dependente emocionalmente (já que não podia ousar, dependia que outros ditassem o que fazer o quê e como sentir), insegura para tomar decisões (aos poucos o frio na barriga tornou-se suportável, menos temível que o arrependimento de não ter feito). Aos poucos aprendi que não preciso ter medo do que é bom, justo, honesto. Entendi que se eu cair, do chão eu não passo e que, se por um acaso der num buraco, se eu tiver unhas que sejam para escalar e não para cavar mais o fundo... Eu tenho aprendido, eu tenho tentado superar. Todos os dias quando saio catando o que ficou para trás, quando irrevogavelmente a sentença da lerdeza me assola, eu tento não parar em frente à carreta para ela me esmagar de uma vez. De vez em quando tenho lá minhas recaídas, o medo me assola, a autoestima evapora... E acho que não vou mais. As próprias demandas da vida, não me permitem parar e vão me puxando. Daí eu ter aprendido a gostar dos desafios da responsabilidade com projetos, emprego, pessoas... eles me impedem de pensar só por mim.

A metáfora da vida ser uma carreta assassina, foi os poucos ficando para trás. Assim eu pensava... Há alguns meses iniciei o processo para obter minha CNH. Tudo matematicamente perfeito, fechando o ano do jeito que queira, com todas as metas cumpridas. A parte teórica, muito tranqüila, mais do que esperava. Até que de repente as aulas práticas que iam bem, começaram a me perturbar... Verdadeiras crises de ansiedade: sudorese, perda de apetite, tremor, comecei esquecer, literalmente esquecer no meio do processo de direção o que fazer. Não dá para explicar o medo de me deparar adivinha com o quê? Sim, com uma carreta, e adivinha o que encontrei no primeiro dia em que fui para o trânsito... Ela, a pavorosa. A personificação daquilo que sempre me oprimia: A própria vida. Obviamente o resto da aula foi uma m*#%@.
A bem da verdade, ela [a vida] realmente me bota medo. E encontrar uma maneira de encará-la sem que eu esteja no lugar do atropelado é o grande desafio diário. Não se apaga de uma só vez todo um histórico de imposição do medo.

Há pouco, assistindo a um vídeo, uma frase me fez lembrar daquilo que me disseram, talvez por acreditarem que isso me motivaria, mas que na prática me fragilizava e paralisava. Fiquei chocada, como as palavras podem sim ser, de fato, como chumbo: pesadas, tóxicas e letais. Sem que me desse conta o medo de ser atropelada pela vida não havia ficado para trás, somatizara-se no medo de andar de bicicleta, de atravessar a rua, de dirigir... ações que lhe revestem de um poder maior, logo, maiores responsabilidades... Posso não dar conta.
Neste momento em que escrevo, faltam algumas horas para mais uma aula. E tenho repetido que tudo vai dar certo, e que não, eu não vou me enfiar embaixo de um ônibus, de uma carreta ou coisa parecida. Tampouco sair atropelando pessoas.
No final de toda essa ladainha eu tenho um desejo: não assassinar ou ferir uma alma que seja com palavras que nunca deveriam ser pronunciadas. Em nosso torpe senso de retidão e sabedoria saímos por aí verborrando. Mais borrando que de fato ajudando.

“A língua tem poder sobre a vida e sobre a morte; os que gostam de usá-la comerão do seu fruto.”
Provérbios 18:21


3 comentários:

  1. OI, Debs! Também me pego assim, a questionar o depois de tudo dito, se não parece um exagero. Mas, e daí? As palavras também são carretas perigosas que saem atropelando o que elas precisam atropelar. Atropele, então, esse medo. Todos nós somos um pouco carretas.
    Beijos!

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